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A Formação das Almas - José Murilo de Carvalho
Cenário: passagem do Império para a República.
Personagens: liberais, jacobinos, e positivistas. Trama central: disputa pela legitimação do regime republicano.
Com esses elementos, o cientista político e historiador José Murilo de Carvalho constrói um trabalho fundamental para a compreensão de um momento importante da história política brasileira que, entre outras virtudes, agrada tanto o leitor especializado como o público mais amplo.
Não é a primeira vez que o autor se detém sobre o momento da gênese da República brasileira.
Em estudo anterior, Os bestializados: o Rio de Janeiro e a República que não foi (Cia. Das Letras, 1987), José Murilo coloca seu foco sobre a concepção e a prática da cidadania no Brasil, mostrando como o povo esteve afastado da "onda revolucionária" de 1896.
Tal evidência, longe de significar o final de um percurso analítico, anuncia novos desdobramentos: diante da inexpressiva participação popular, como o novo regime se consolida?
A formação das almas: o imaginário da república tenta responder a essa questão, a partir do mapeamento das correntes ideológicas que disputavam a definição da natureza do regime republicano.
Se o eixo articular do livro — a trama das ideologias — é por si só interessante, o modo como o sensível pesquisador procede a análise constitui, talvez, o aspecto mais original da obra.
Trabalhando os elementos extradiscursivos das justificativas ideológicas republicanas, o autor, um hermeneuta das formas, interpreta símbolos, imagens, alegorias e mitos da época, na tentativa de avaliar como as visões da República transbordaram o círculo restrito das elites e atingiram a população de modo geral.
O título é revelador: formar almas. Eis o objetivo do arsenal de heróis, hinos, mitos e bandeiras que assolaram o país no final do século, em meio a verdadeiras batalhas pela conquista do imaginário popular republicano.
Mas se a "República não foi", tampouco conseguiu construir um imaginário próprio.
O farto material iconográfico analisado — monumentos, caricaturas de jornais, obras de arte
— reflete as fraturas da República brasileira, do mesmo modo que Tiradentes, resgatado como uma espécie de "Cristo cívico", é emblemático da inexistência de uma identidade republicana, do caráter inconcluso de nossa República.
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